Sobre palhetas e estrelas

- Tem uma palheta aí?

Foi assim que veio tudo de volta, com uma pergunta que nem foi pra ela. Mas respondeu:
- Eu costumava ter palhetas na carteira.

Fato, ela costumava ter palhetas na carteira.
Palhetas que ganhara dos namoradinhos guitarristas que colecionou na sua aborrecência. Ou dos heartbreakers que passavam fazendo shows em sua cidade.
Não sabia tocar uma nota, mas se orgulhava de tê-las. Eram lembranças que carregava dentro da bolsa.

Então o passado bateu à porta, era uma visita da garota que sempre vestia camisetas da Harley Davidson e entendia tudo de motos.
Não só de motos, achava que entendia de tudo! De música, de política, de amores, desamores e do futuro.
Claro, o futuro lhe cabia nas mãos, queria estudar no ITA. Seria engenheira, uma das melhores. Mal sabia que mudaria de ideia no mínimo uma vez ao ano... e que acabaria designer.

Quando pequena dizia que queria ser astrônoma, era doida pelas estrelas. Amava o céu.
Aos 15 quis voar, decidira pela AFA, Pirassununga tem seu charme.
Aos 16 terminou o primeiro namoro, que durou muito mais do que esperava. Se apaixonou perdidamente uma vez por mês depois disso.
E se apaixonou mais ainda pela música. Apaixonou-se também pela ideia do que um dia ela poderia ser.
E não viu mais o tempo passar.

Poucos anos atrás ela perdeu todas as palhetas.
Algumas se espalharam pelas muitas mudanças que fez, outras apostou no poker pois lhe faltara moedas. Era a prova de que era outra pessoa, perdeu o que tinha de mais concreto do passado numa mesa de jogatina, porque não quis tirar o sutiã.
Hoje, com a visita da "garota que dormia demais" se preocupou.
"No que eu me tornei? O que eu fiz? Cadê minhas palhetas? Envelheci!"

Então pensou nas motos, na música, na política, nos amores, nos desamores, e no futuro.
Pensou nas paixões mensais.
Se olhou no espelho e viu sua calcinha de bichinhos.
Olhou pro céu, e agradeceu por não ter mudado tanto assim, dizendo:
- Não sou astrônoma, mas ainda posso desenhar as minhas estrelas.